Com um pé na tradição e outro na inovação, os herdeiros de segunda e até terceira geração estão assumindo cada vez mais os negócios da família na área do rental
As empresas de locação no Brasil surgiram, em sua maioria, como negócios familiares. Foram criadas por empreendedores visionários que desbravaram o mercado e trouxeram a cultura do rental para o país, especialmente nas décadas de 1980 e 1990.
Hoje, no entanto, essas empresas vivem um momento decisivo: a transição de gestão. Com estilos diferentes, os sucessores mudam o perfil das organizações, fortalecem o mercado e passam a escrever uma nova história.
Muitos, com sólida formação universitária em áreas como engenharia, administração ou tecnologia – ou ainda por afinidade descoberta no dia a dia –, trazem um olhar renovado para os negócios, especialmente na automação de processos, marketing digital e foco na experiência do cliente. Marcus Madeira, da Madloc, localizada em Guarulhos, na Grande São Paulo, conta que a empresa representou a realização de um sonho e um grande aprendizado. O DNA da locação está no “sangue” da família desde 1986, quando seu pai, Valter Madeira, assumiu a gerência da Wacker Neuson.
“Sempre gostei e acompanhei o trabalho do meu pai. Após a Wacker, ele passou pela extinta Demac Casamac e, em seguida, aceitou o desafio de assumir a sociedade em uma locadora de equipamentos. Em 1994, tornou-se sócio-diretor de uma empresa com dificuldades financeiras e não poupou esforços para transformá-la em uma locadora reconhecida pelo mercado e com uma marca forte. Em 2019, depois de muitas negociações, cada sócio seguiu seu caminho e, juntos, meu pai e eu fundamos a Madloc.”
Assumir a gestão da empresa ao lado do pai foi uma honra e um processo tranquilo até 2020. “Com a pandemia, passou a ser algo árduo e difícil, pois tive a infelicidade de perder meu sócio e ídolo. Sem a sua experiência, tudo se tornou extremamente mais complicado para meu aprendizado.”
Hoje, Marcus, que é formado em Ciências da Computação e apaixonado por tecnologia, acredita estar no lugar certo no universo do rental. Atualmente, também é diretor da ALEC – Associação.
Entre as mudanças feitas nesse período está a implantação do ERP, sistema de gestão ao qual todos os colaboradores têm acesso. Com isso, a Madloc reduziu consideravelmente os custos com papel, o que rendeu à empresa o prêmio de Ecoinovação, no seminário Empretec, do Sebrae.
Marcus ainda não sabe se seus filhos, a terceira geração, darão continuidade à Madloc. “O que consigo mostrar a eles são os valores, os desafios do dia a dia para gerir uma empresa, a nossa responsabilidade com as famílias, o quanto cada colaborador é importante e o quanto podemos fazer uma diferença positiva para o país”, diz.
De pais para filhas
José Eustáquio de Moura Tavares e sua esposa, Miriam Costa Tavares, decidiram empreender no setor de locação há 40 anos, com a Andar Andaimes, após longa experiência com aluguel desses produtos. Algum tempo depois, a Andar Andaimes passou a se chamar Altura Andaimes e, há três anos, tornou-se a Haix Rental, em Belo Horizonte.
José Eustáquio é um dos fundadores do Sindileq Minas Gerais. “Ao longo desse tempo, acompanhei as mudanças e a profissionalização do mercado, principalmente após a criação das associações. Nesse período, surgiram muitas empresas com mentalidade voltada para a tecnologia”, conta.
As duas filhas do casal – Ana Flávia e Adriana – foram preparadas para o mercado de trabalho desde muito jovens e sempre demonstraram interesse em atuar na locadora. Aos poucos, foram se familiarizando com o setor de equipamentos e, posteriormente, os fundadores iniciaram o processo de sucessão profissional.
“A adaptação ao negócio foi um grande desafio, pois o mercado era totalmente dominado por homens”, conta José Eustáquio. “O nosso apoio incondicional e a resiliência das nossas filhas foram fundamentais para superarmos juntos essas barreiras”, complementa.
Atualmente, os fundadores e as filhas formam um conselho, que conta ainda com um profissional externo e se reúne periodicamente. As sucessoras atuam em decisões estratégicas, controle de orçamentos, estabelecimento de metas e análise de riscos.
Ana Flávia Costa Tavares é a CEO da Haix Rental, enquanto Adriana Costa Tavares responde por Estratégias Comerciais e Desenvolvimento de Novos Negócios. Para José Eustáquio e Miriam, as maiores contribuições das filhas foram o crescimento estruturado baseado em planejamento estratégico, a organização de processos internos e, sobretudo, a profissionalização da empresa.
Feliz descoberta
Kimberly Pereira, de 28 anos, da Protecfer, em Belo Horizonte, tem uma história de sucesso um pouco diferente. “Assumir a empresa foi um processo que começou em 2020, quando perdi meu emprego como nutricionista por conta da pandemia. Comecei então a aprender os processos um a um: vendas de peças e máquinas, fabricação, locação e, finalmente, o financeiro e a gestão”, conta.
A responsabilidade foi aumentando na mesma proporção e ela acabou se apaixonando pela área, algo que achava pouco provável até então. “Ao longo desse período, tivemos que lidar com a ausência de uma funcionária especial, com 11 anos de casa, que precisou se mudar para Portugal. Isso acelerou meu aprendizado, sempre guiada por meu pai, Rogério Pereira”, discorre.
A jovem conta que o processo é contínuo e ainda tem muito a aprender no universo rental. Seu maior desafio tem sido ampliar as vendas on-line, já que a Protecfer também atua com tornearia, fundição de peças e tem reforçado o foco na manutenção de equipamentos, oferecendo soluções diferenciadas para os locadores.
Sucessão como processo
De acordo com o IBGE, cerca de 70% das empresas familiares não sobrevivem à transição para a segunda geração, e apenas 10% chegam à terceira. Especialistas em governança familiar afirmam que a falta de planejamento é o principal motivo.
Outro ponto importante é o fator psicológico: muitos fundadores evitam falar de sucessão por medo de perder o controle.
A Revista LocadoresBR conversou com especialistas e traz a seguir algumas recomendações que reforçam a sucessão familiar como um processo, e não como um evento isolado. Mais do que isso, quando um fundador decide passar o bastão, ele não deixa de participar, mas assume um novo papel – o de mentor –, o que faz toda a diferença.
- Planejamento antecipado: o ideal é iniciar a preparação da sucessão anos antes da saída do fundador, definindo papéis e responsabilidades dos herdeiros.
- Investimento em capacitação: nem sempre o herdeiro está pronto para assumir. Cursos, vivências e contato com outras empresas do setor são fundamentais.
- Governança familiar: a criação de conselhos consultivos ou familiares ajuda a separar as questões da empresa das questões pessoais, evita conflitos e define melhor os papéis.
- Profissionalização: mesmo sendo um negócio familiar, a gestão deve seguir princípios profissionais, com metas claras, controles financeiros e avaliações de desempenho.
Diferentes perfis: nem todos os herdeiros têm vocação para o negócio da locação. É preciso respeitar os talentos individuais e, se necessário, contratar gestores externos.










